A difícil missão de assistir “A VIAGEM”. O roteiro complexo dividiu a opinião do público.

Cloud Atlas

Semana passada eu e um amigo vivemos a difícil missão de assistir “A Viagem”. Eu, historiador e crítico de arte, e ele arquiteto. Saímos do cinema um pouco atordoado. Com um enredo complexo e atores que se repetem em personagens de diferentes épocas, ao longo de quase três horas de duração, o filme mistura ficção científica, futurismo, vidas passadas e algo de filosofia humanista. Como não podia ser diferente, isso gera um desconforto e vem dividindo a opinião do público: alguns acham o filme fascinante, e outros, cansativo e confuso.

No entanto, entre a crítica especializada, existe um consenso, e o sucesso dos trabalhos anteriores dos irmãos Wachowski e Tom Tykwer, que foram os responsáveis pela megalomaníaca trilogia “Matrix”, aqui não se repete. Se “Matrix” estimulou muitas reflexões prazerosas no final da década de 1990, até meados da década de 2000, “A Viagem” teve duras resenhas. E, só para citar alguns comentários, o filme foi considerado como uma “mistureba de temas” e como a “maior piada involuntária dos últimos tempos”.

Na verdade, “A Viagem” é um filme pretensioso constituído de variadas histórias com inúmeros personagens, através de diversas linhas temporais, mas que de uma forma ou de outra, estão conectadas por outras vidas. Para a crítica especializada, o problema é que a maioria dessas histórias é desinteressante, e seus personagens são tão mal resolvidos que é puramente impossível se envolver com eles. A mensagem da história é: “estamos todos conectados com o universo” – algo que chega a ser um clichê, uma pseudo-filosofia.

A estrutura fragmentada da narrativa, praticamente, se sustenta em seis pequenos filmes intercalados. Mas, nenhuma das histórias tem duração de mais do que cinco minutos seguidos, cheio de cortes e mudanças consecutivas de tramas – algo muito irritante. Nada surpreende o espectador, e ficamos nos perguntando se alguma dessas subtramas realmente funcionaria como um filme isoladamente.

Cada um dos atores famosos interpreta múltiplos personagens. A maquiagem usada por eles, para distingui-los de uma história para a outra, é constrangedora. É como que não estivéssemos vendo uma pessoa ali, mas algum tipo de “ser mutante”. Olha, a coisa é tão complicada, que o Tom Hanks, nas diversas maquiagens, fica cômico, parecendo mais um personagem de desenho animado.

É difícil para o espectador que chega ao cinema com boas expectativas sair satisfeito. O roteiro não ajuda, e para piorar, adota um tom “professoral e messiânico” que lhe dá a ridícula pretensão de ser “a mensagem”. O roteiro sabotou “A Viagem”.

Minha nota é 7.

 

Joaquim Netto

Mestre e doutorando em História e Crítica da Arte

Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

ARRESOLVIDO – Aroma de brasilidade na simplicidade dos gestos e do lugar.

FOTO: Rany Carneiro

FOTO: Rany Carneiro

Quem assistir ARRESOLVIDO, no Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil, poderá ver uma sucessão de cenas encantadoras e bem humoradas. Num cenário com quinze colunas de grossos bambus, o universo acanhado de um povoado interiorano de alguma região brasileira, se enche de vida com o dia-a-dia dos seus moradores, seus hábitos e suas superstições.

“Defuma com as ervas da Jurema, defuma com arruda e guiné, defuma com as ervas da Jurema, defuma com arruda e guiné, benjoim, alecrim e alfazema, para defumar filhos de fé.”

Sob o ritmo agradável de uma canção, marcada pelos sons dos instrumentos musicais – percussão e cordas, o ator Felipe Silcler (foto) vive um dos sedutores momentos desse espetáculo. É quase impossível falar de um ator isoladamente nesse trabalho. Existe um envolvimento cênico entre os personagens, que vai tecendo uma cumplicidade poética, num enredo cheio de imagens envolventes, prontas para serem experimentadas por todos os sentidos dos espectadores – inclusive o paladar com as deliciosas cocadas da avó.

A montagem é muito bem “arresolvida” pela notável direção do André Paes Leme. As cenas são cuidadosamente trabalhadas: o Menino (Zé Wendell), nas brincadeiras e proseados com o moleque seu amigo (Fabiano Raposo), vai crescendo, e muito cedo, na certeza que já é “homem grande”, protege a mãe dos misteriosos perigos do lugar. André Paes Leme conseguiu chegar a um resultado harmônico, onde o jovem elenco, extremamente comprometido, mostra ao público suas conquistas artísticas.

O texto de Érida Castello Branco tem o aroma de brasilidade e uma simplicidade contagiante. É o vencedor da 5ª Edição do Concurso de Dramaturgia “Seleção Brasil em Cena”, na cidade do Rio de Janeiro. O charme de ARRESOLVIDO está na modéstia da poesia engendrada por Érida e na direção do André Paes Leme.

A direção musical de Pedro Poema, em conjunto com a preparação vocal de Mauricio Detoni, enche de encanto as cantigas do espetáculo. O cenário e figurino de Carlos Alberto Nunes, bem como, o clima misterioso da iluminação de Renato Machado, são importantes na atmosfera alegórica do trabalho.

ARRESOLVIDO conta com um admirável elenco: Marina Monteiro (a mãe), Celso Gayoso (o pai), Zé Wendell (o menino), Fabiano Raposo (o moleque), Felipe Silcler (a avó), Pedro Poema (o médico) e Bárbara Abi-Rihan (a comadre). ARRESOLVIDO é imperdível.

BRASÍLIA – Local: Teatro II – CCBB

Data: De 21 de fevereiro a 17 de março/De quinta a sábado, às 20h. Domingo, às 19h.

Entrada: R$ 6,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia)

Classificação indicativa: 14 anos.

Contato: 061 31087600

RIO DE JANEIRO – CCBB– TEATRO II

Temporada: 14 DEZ 2012 a 10 FEV 2013 / Quinta a Domingo, às 19h30.

*Joaquim Netto

Mestre e Doutorando em História e Crítica da Arte

Escola de Belas Artes – UFRJ