“A Morte de Monteiro Lobato” – obra da artista Bebeu enquanto denúncia de racismo através da pintura.

Bebeu, “A Morte de Monteiro Lobato”, 2023.

Na obra, os elementos principais identificados são: Uma mulher negra, e em sua frente, a cabeça do escritor José Bento Renato Monteiro Lobato, sob um prato, e atrás da cena a frase “Eu não sou uma negrinha”.

Sobre a leitura que fizemos desta obra, achamos importante partir primeiramente da visualização crua da imagem, pensando nas colocações sobre como a imagem por si só pode ser reveladora e sensível, não necessitando fielmente de grandes textos para o seu entendimento, que foram instigadas em sala pelo prof. Joaquim Netto, durante a disciplina de História da Arte Brasileira Contemporânea, e também pelo que diz Ana Mae Barbosa:

“Em nossa vida diária estamos rodeados por imagens impostas pela mídia, vendendo produtos, ideais, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. A educação deveria prestar atenção ao discurso visual. Ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da arte (…) (BARBOSA, 1998, p. 17 apud TORRES, M R L, 2011)”

Então, ao pensarmos no conjunto da imagem, entendemos que a obra denuncia fortemente um caso de racismo cometido pelo escritor Monteiro Lobato, e como ela pode estar demonstrando de um lado, o ódio pelo acontecimento, e de outro lado o prazer da personagem de ter em sua frente, em suas mãos, a cabeça de Monteiro Lobato.

Ela nos toca ao ponto de conseguirmos sentir essa raiva, essa fúria genuína que não vem apenas de artista, mas parte de toda uma comunidade que tanto é discriminada e colocada à margem da sociedade, e como pode ser um deleite poder presenciar o definhar de um símbolo desse preconceito.

Pensar que dentro da academia, por muitas, principalmente nos cursos de letras e artes, precisamos passar pelas obras de Monteiro Lobato, e as tantas vezes que esquecemos artistas e escritores negros e negras, LGBTQIAPN+, ribeirinhos, quilombolas, e pessoas de outras comunidades marginalizadas, que muito lutam por respeito e ainda são postas enquanto inferiores, não podendo chegar em lugares que pessoas racistas como M. Lobato chegaram, é totalmente entristecedor e desanimador.

Durante nossos estudos conseguimos perceber autores que abordam o assunto de Monteiro Lobato ser ou não racista: “Quanto à presença ou não de racismo em O presidente negro, devemos primeiramente destacar sua simpatia em relação ao eugenismo, ideia que fundamenta seus argumentos em prol da superioridade da raça branca.” (SANTOS, Antonio, 2015). Durante a leitura do texto de Antonio Santos, é possível concluir nossa tese de que Monteiro Lobato era sim racista, pois o “simples” fato de defender o eugenismo já configura isso.

Monteiro Lobato enxerga que tal prática iria elevar o nível moral da sociedade humana ao eliminar seus “três pesos mortos: o vadio, o doente e o pobre”. Esta franca defesa do eugenismo por parte de nosso escritor – não podemos esquecer o fato dele ter sido membro da Sociedade Eugênica Brasileira – levou-o a admirar os Estados Unidos; admiração tornada explicita na obra em tela ao escolher a ascendência norte-americana para os personagens Professor Benson e Miss Jane, além de ter eleito aquela sociedade como o palco do seu romance futurista. (SANTOS, Antonio, 2015).

A obra consta no perfil do instagram da artista (@bebeucaz), onde podemos achar na legenda da postagem, um pouco sobre a visão de Bebeu sobre a tela, entendendo um pouco mais do contexto que a levou a fazer a pintura:

“O escritor brasileiro Monteiro Lobato que não era apenas um reprodutor involuntário do racismo, ele era um ativista das teorias sobre inferioridade racial, degeneracionismo e eugenia. No conto a personagem “Negrinha” que nem tem nome, passa por situações extremamente sádicas, situações narradas apenas para o divertimento de racistas que sentem prazer na dor e sofrimento de pessoas negras. Apesar das manifestações que tiveram para tirar a obrigação de passar esse texto em salas de aula, “Negrinha” ainda é usado como material de estudo nas escolas brasileiras. No desenho eu fiz a cabeça de Monteiro Lobato em cima de um prato, que está na frente da personagem. […]” (BEBEU, 2023).

Entende-se então que o episódio que se refere a pintura, se trata do conto escrito por Lobato, em que se retrata a personagem “Negrinha”, o que nos levou imediatamente a frase escrita no quadro.

Logo, reafirmamos o tom de denúncia já colocado anteriormente, quando analisamos as hashtags escolhidas por Bebeu, para este post: #arte#racismoécrime#brasil#artoftheday. A partir disso, refletimos também sobre a questão da tecnologia, mais especificamente das redes sociais, se entrelaçando diretamente com a arte contemporânea.

Percebemos que com o avanço da tecnologia, a arte migrou para as redes sociais e artistas podem difundir suas obras para públicos variados, talvez até pessoas que não teriam acesso a essas obras em outros momentos e contextos. Além disso, com a possibilidade de compartilhar esses posts, podemos visualizar de que forma aquela obra toca aquele público. Na obra de Bebeu, achamos comentários como “não só belo como também moral” (usuário @dijinvstheworld) .

Junto com esse pensamento sobre a tecnologia, nos instigou pensar sobre como na arte contemporânea, os artistas, assim como Bebeu não seguem uma norma estabelecida de como devem criar suas obras, não seguem uma escola, uma vanguarda, mas sim buscam uma poética própria, a partir da sua sensibilidade ligada com sua relação com a arte e o mundo. Vemos claramente que a ainda jovem artista possui traços únicos em suas ilustrações, e se aventura em direções e técnicas diferentes para criação das peças.

Além dos traços, a artista mostra na maioria de suas obras, coisas de suas vivências. Em “A Morte de Monteiro Lobato”, percebemos que a abordagem do conteúdo é suscitada por uma dor coletiva que afeta diretamente na vida de Bebeu, fazendo-nos entender como o sensível está presente ali, e como a arte contemporânea também se mostra como uma arte política de resistência, nesse caso, para grupos minoritários.

É excitante ver a obra de Bebeu, e mais ainda, esse trabalho sendo aclamado por tantas pessoas, pois partindo de uma admiração pessoal nossa, enquanto autores, a tela nos toca diretamente enquanto pertencentes a grupos marginalizados, a essas pessoas colocadas como “malditas” na sociedade, e se torna revoltante ver o quanto ainda parece difícil que essa arte chegue a diversos lugares, exposições, eventos grandes, pois nesses lugares ainda reina uma elite formada por pessoas específicas.

Hoje podemos discutir sobre como esses corpos marginalizados estão se colocando, se fazendo presentes e reivindicando espaços que na verdade deveriam já estar ocupado por eles. Entendemos a obra enquanto uma manifestação política que surge de um lugar de muita coragem pelo fato da artista ser reprimida diariamente, e os reprimidos geralmente não poderem se rebelar. 

Isso nos remeteu a uma das icônicas frases de Linn da Quebrada: “Nós travestis não podemos nos dar ao luxo de sentir medo. Senão, não sairíamos de casa” .

A partir da observação e análise da obra, coloca-se então questões exclusivas da arte contemporânea, como a comunicação dentro das redes sociais e como estas servem de suporte para tais obras. Relacionando com o conteúdo de História da Arte Brasileira Contemporânea onde de cara nos é falado que ela vem de uma ruptura com o moderno, a artista Bebeu nos instiga a pensar sobre a sua poética própria, que não segue um modelo, um padrão, a arte contemporânea está ligada, intrinsecamente, a como aquele artista visualiza, sente e vive o mundo. Sob nossos questionamentos, enquanto artista que possuímos contato, Para Bebeu, “Sobreviver na arte é uma tarefa árdua, mas é mais difícil morrer sem ela”.

Eloá Vitória Ribeiro de Oliveira1

Rafe Maciel Morais2

Sobre a artista: Maria Isabel Oliveira Castro, conhecida pelo nome artístico Bebeu, de 19 anos, é uma artista amapaense, residente do distrito de Fazendinha e acadêmica do curso de Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Federal do Amapá, pela turma de 2022. Usufruindo da criação artística desde criança, ela trabalha como ilustradora e também se arrisca na poesia. Seus trabalhos artísticos sempre conversam com suas vivências, alegrias, amores e dores. Bebeu também faz parte do movimento estudantil, sendo militante pela União da Juventude Comunista (UJC) e Movimento por uma Universidade Popular (MUP).

Bebeu no 59º CONUNE. Fonte: Instagram da UJC Amapá

NOTAS

  1. Acadêmica do curso Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Amapá (Turma 2021). E-mail: eloavitoria2002@gmail.com
  2. Acadêmico do curso Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Amapá (Turma 2021). E-mail: raphaelmorais2016@gmail.com

REFERÊNCIAS

BEBEUCAZ. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CplSTRHJDvL/?img_index=1&gt;. Acesso em: 12 set. 2023;

DE, M.; TORRES, L. A IMPORTÂNCIA DA LEITURA DE IMAGENS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM EM ARTES VISUAIS. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/196871629.pdf&gt;. Acesso em: 12 set. 2023;

IBDFAM: Linn da Quebrada: “Nós travestis não podemos nos dar ao luxo de sentir medo. Senão, não sairíamos de casa”. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/noticias/na-midia/18205/Linn+da+Quebrada%3A+%22N%C3%B3s+travestis+n%C3%A3o+podemos+nos+dar+ao+luxo+de+sentir+medo.+Sen%C3%A3o%2C+n%C3%A3o+sair%C3%ADamos+de+casa%22%22&gt;. Acesso em: 12 set. 2023;

SANTOS, A. Monteiro Lobato era racista?. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/polithicult/article/view/23730. Acesso em 19 set. 2023;

‌UJC.AP. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CvDE6P5JJat/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==. Acesso em: 12 set. 2023.

ESPAÇO AUTOBIOGRÁFICO – BIOGRAFEMA 1: primeiras vivências com a fotografia (1968)

Joaquim Netto. Trapiche Santa Inês (Macapá/Amapá/Brasil). Fotografia com celular – JPEG. 2023.

Olá, caro leitor!

A minha intenção como esse texto, é iniciar um percurso de produção textual livre, trazendo imagens fotográficas, fragmentos das minhas experiências e vivências com a fotografia – por isso, estou chamando-o de biografema.

Ou seja, é uma autobiografia – onde procuro usar cenas, episódios e pulsões da minha biografia, contudo, desmembrando-a em breves recortes existenciais.

Certa vez, conversando com uma amiga artista, pesquisadora e psicóloga, falou: “Você já percebeu que todas as suas pesquisas tem a ver com sua vida?”

Parei, pensei um pouco, e observei que minhas pesquisas de mestrado, doutorado, pós-doutorado etc., sempre trazem questões da minha existência. Enfim…

Quem sou?

Sou Joaquim Cesar da Veiga Netto – mais conhecido profissionalmente como Joaquim Netto. Pela família e amigos muito próximos, sou chamado de Cesar.

Tenho mais de 50 anos. Sou brasileiro, nasci e me criei na cidade de Belém, no estado do Pará. Residi 28 anos, na casa do meu avô materno, na Praça Felipe Patroni – proximidades do Palácio Lauro Sodré (século XVII), Palácio Antônio Lemos – Museu de Artes de Belém (século XIX), Igreja de Santo Alexandre (século XVII/XVIII), Ver-o-Peso etc. Num cenário que mistura história e cultura, numa atmosfera quente, colorida, perfumada e saborosa,- típica da região amazônica belenense.

Wagner Santana/Diário do Pará. Praça Felipe Patroni – Palácio Antônio Lemos – Museu de Arte de Belém (MABE), aos fundos. 2019.

Sou pesquisador das artes visuais e mais especificamente, no campo da imagem fotográfica. Neste texto, o primeiro de uma série de escritos, vou falar do meu primeiro contato com a fotografia.

Como começou?

A minha paixão pela fotografia foi desde cedo. Com 7 anos de idade (1968, aproximadamente), já ficava fascinado com a Câmera Rolleiflex do meu avô. Gostava de mexer nos álbuns de família. Cada contato com a câmera fotográfica e as fotos das memórias da família, motivava o meu afeto pela fotografia.

No contato com a Rolleiflex, eu explorava prazerosamente cada parte da câmera. Fica fascinado com as lentes e o barulho do obturador. Eu sonhava com cada imagem observada pelo visor da câmera.

Nesta época, ganhei um presente da minha mãe. Era um brinquedo inteligente – uma caixa com material para experimentar o processo de fixação da imagem fotográfica com a luz do sol e compostos químicos – o “Pequeno Fotógrafo da Estrela”. Passei a me interessar pela fixação da imagem com esses compostos químicos. Tudo era mágico diante dos meus olhos.

A cada dia, eu alimentava mais e mais, a curiosidade e a vontade de fotografar. O que vai se concretizar nos próximos anos.

Joaquim Netto

Historiador e Crítico de Arte

Pesquisador sobre Fotografia