Andanças Culturais & Emocionário Imagético

Fortaleza de São José de Macapá -1782 (Macapá/AP)

Um estudo mais vivo da história da arte “brasileira”, ou história da arte no Brasil, requer o desenvolvimento de algumas vivências, que chamo de “vivência arte-educativa” por serem eventos com acadêmicos do curso de artes visuais. Mas, poderíamos chama-las de Vivências Histórico-culturais e de muitas outras formas.

Banner com a Identidade Visual do evento. Matheus Xavier (Artes Visuais/UNIFAP)

O importante é perceber que o objetivo destas vivências é instrumentalizar uma apreensão mais efetiva da história da arte, história da cultura, história das emoções etc. de tal maneira que possamos usufruir os objetos artísticos num contexto mais próximo de nossas vidas e prazerosamente.

Casa da etnia Wayana e Aparai – Museu Sacaca – Macapá AP.

Então, optei neste momento pela ideia que a história da arte, das imagens, dos objetos, dos monumentos e dos lugares podem ser a história das emoções – em vários sentidos, inclusive da emoção pessoal do usufruidor.

A ideia de história da arte como história das emoções é sinalizada por Didi-Huberman, no seu livro “Que Emoção! Que Emoção?” – uma breve conferência em que o autor indaga a natureza das emoções humanas. As fotografias das “Andanças Culturais & Emocionário Imagético” servem como ponto de partida para os nossos estudos relacionados a “história da arte brasileira”, não propriamente para explica-las, antes para lhes dar voz, para dar ouvidos às perguntas que elas têm a nos propor.

Nas “andanças culturais”, no percurso e diante das “coisas”, muitas emoções vão brotando. Assim, é inevitável que uma “coceirinha mental” nos estimule a querer saber informações das “coisas” vivenciadas.

Isto é, a intensidade da experiência (que emoção!) deverá alimentar o esforço de reflexão (que emoção?), num movimento que alinhava conceitos da historiografia, da crítica, da filosofia da arte ocidental e de tantos outros campos de estudos, que podem contribuir para o consumo e/ou “usufruição” dos monumentos, das estátua e imagens da história da arte. Sem esquecer que vivemos atualmente um novo regime de imagens – com políticas de produção, distribuição e consumo na cena contemporânea das mídias digitais.

O nosso intuito com “Andanças Culturais & Emocionário Imagético” é iluminar e despertar as emoções. Lembrando que as emoções não têm limites. Nesta “Vivência Arte-educativa”, há, porém, uma única regra: fazer os registros fotográficos para experimenta-los num “Emocionário Imagético”.

Enfim, como a experiência parece estar dando certo, veio a ideia de publicar esse texto apontando possibilidades de pensar nossas aventuras sensoriais nesses espaços.

Joaquim Netto

Historiador e Crítico de Arte

REFERÊNCIAS

DIDI-HUBERMAN, Georges. Que emoção! Que emoção?. São Paulo: Editora 34, 2016.

HAN, Byung-Chul No enxame : perspectivas do digital / Byung-Chul Han ; tradução de Lucas Machado. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2018.

HAN, Byung-Chul Sociedade do cansaço / Byung-Chul Han ; tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição ampliada – Petrópolis, RJ : Vozes, 2019.

MALRAUX, A. O museu imaginário. Lisboa: Edições 70, 2011.

A Importância da História da Arte Brasileira – numa cultura da imagem.

Qual a importância de estudar a história da arte e mais especificamente a história da arte brasileira, ou história da arte no Brasil?

Origine, de Kássia Borges Karajá @kassiaborges (Instagram)

Num primeiro momento, podemos dizer algo que parece ser óbvio. A importância reside em ampliarmos o nosso repertório visual que nos concede o conhecimento da nossa identidade e das diferenças culturais dos outros.

Saber quem somos é imprescindível para a construção da nossa autoestima.

Muitas vezes desconhecemos os artistas indígenas e africanos, mesmo que suas produções estejam expostas no Instagram, no Facebook e nas demais mídias sociais.

Lendo os livros de história da “arte brasileira”, percebemos que os conteúdos estão dispostos numa sequência cronológica da pré-história até a arte brasileira contemporânea.

Os estudiosos passam pela matriz indígena, africana e europeia – evidenciando a pintura rupestre e os diversos artefatos feitos antes da chegada dos europeus em 1500 – fato que comprova que existe arte feita por povos indígenas, antes da chegada dos colonizadores.

Nesse caminho, os estudos chegam a década de 1980 – mostrando a exploração dos diversos materiais e meios-, sinalizando que nesta mesma década, a fotografia passou a ser reconhecida no circuito das artes e a ser usada de diversas maneiras pelos artistas.

É fundamental perceber que a história da arte é um campo de conhecimento fortalecedor dos laços de pertencimento da cultura pelo seu povo – considerando as identidades e as alteridades culturais do “seu lugar e as demais culturas”.

Saber quem somos é também saber e reconhecer o quê nos pertence culturalmente – alicerce para o autoconhecimento e autoestima.

Contudo, a nossa relação com a produção artística, com o objeto artístico mudou muito. O regime de imagem no início do século XXI era consideravelmente diferente do que conhecemos agora. No momento presente, não raramente, a arte nos chega através das mídias digitais. Vivemos constantemente conectados. Isto facilita o acesso com artistas, suas produções e os museus e galerias (virtuais). Ou seja, temos diante de nós uma nova forma de relação com a arte e com o mundo – uma relação através de imagens. Algo que nos aproxima, mas também afasta.

É essencial perceber que vivemos cercados de imagens – principalmente no mundo contemporâneo. Neste cenário, vivemos o grande momento das imagens nas redes sociais, na publicidade e nas cenas do dia a dia.

Podemos não perceber, ou não entender, mas toda imagem tem uma proveniência e uma destinação. Tem uma origem – um lugar de produção; na sequência tem uma maneira de chegar até nós (diferente em cada momento da história), e também uma forma de consumo diferente em cada contexto.

As imagens são feitas por alguém, servem para “alguma coisa” e são usadas por alguém, ou um grupo.

As imagens não são apenas reproduções, mas modelos. Não são mais somente meios de invenção de realidade, e sim, realidades em si. Um desenho, ou pintura não são simples representações ou cópias de alguma coisa –  guardam em si interesses dos seus “autores/produtores” e dos lugares onde foram feitas (contextos). Assim , as imagens possíveis de serem consumidas (distribuídas), seguem uma série de políticas de seleção.

Por outro lado, atualmente nos refugiamos nas imagens para sermos melhores, mais bonitos e mais vivos – basta olharmos para as redes sociais.

Neste panorama complexo, a vida contemplativa – a vida do ver tão presente na história da arte, pressupõe uma pedagogia específica: a pedagogia do ver.

O filósofo Nietzsche aponta três tarefas, em vista das quais, a gente precisa de educadores. Precisamos  aprender a ler; aprender a pensar; aprender a falar e escrever.

Ora, a meta desse aprendizado seria a construção de uma “cultura distinta” – uma “cultura eficaz” para conseguirmos conhecer o mundo e conhecer quem somos.

E nesse percurso, precisamos aprender a ver. Ou seja, habituar o olho a paciência de se aproximar das coisas – aqui reside um papel muito importante da história da arte. Isto é , capacitar o olho a uma atenção profunda e contemplativa, a um olhar demorado e sensível das produções artísticas – usufruidor das memórias sociais, artísticas e emocionais impressas nas imagens.

Desta maneira, se olharmos com paciência para a imagem apresentada neste texto, “Origine, de Kássia Borges Karajá”, talvez possamos perceber que é uma instalação onde a artista explora sua ancestralidade através da prática da cerâmica, como em outros trabalhos que podem ser visualizados no seu Instagram @kassiaborges.

Origine, de Kássia Borges Karajá.

Giulio Carlo Argan afirma que existe uma “cultura da imagem” presente em todos os momentos da história das civilizações. Desta maneira, chegamos a uma questão relevante no estudo da história da arte. Para Argan, a história da arte é a história da cultura -, elaborada por imagens e não apenas pela ação dos conceitos.

Assim, dentro dessa “cultura da imagem” as civilizações possuem sua forma de produção, distribuição e consumo dessas imagens, que como já falamos anteriormente, são formas da memória social, artística e emocional – peculiar a cada grupo humano – ou civilização.

Desta maneira, a proposta de ter um bom aproveitamento no estudo da história da arte brasileira, tem sido uma metodologia onde passamos dar lugar ao VER obras e/ou imagens, LER escritos diversos sobre arte, ESCREVER reflexões ou textos e ensaios poéticos sobre arte e procurar ARTICULAR o ver, o ler e o escrever em feituras diversas: pinturas, desenhos, colagens, fotografias, poesias etc – sem confundir com as releituras de obras.

Desta forma, podemos usufruir melhor da história da arte brasileira, ou história da arte no Brasil, que é a história da cultura – fortalecendo as nossas identidades, nas alteridades.

Joaquim Netto – Historiador e Crítico de Arte

NOTA:

Kássia Borges é uma artista ligada a prática escultórica. Graduou-se em Artes Plásticas pela UFU em 1987. Desenvolveu seu mestrado pela UFRGS e doutorado pela UFAM. Atuou em diversas universidades do país e desenvolveu inúmeras pesquisas relacionadas a questão indígena, identificando interseções com sua própria origem.

REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de história da arte. 6.ed. São Paulo: Editorial Estampa, 1992.

HAN, Byung-Chul. Pedagogia do ver. In: HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. (Pag. 51-58)

HAN, Byung-Chul. Fuga na imagem. In: HAN, Byung-Chul. No enxame – Perspectivas do digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018. (Pag. 53-58)