CORPOGRAFIAS – dramaturgias imagéticas

corpografias

CORPOGRAFIAS é um experimento cênico realizado por 15 estudantes do Curso de Teatro da Universidade Federal do Amapá – sob a Orientação/Coordenação do Prof. Me. Raphael Brito. O evento faz parte da programação que inaugura o Projeto “Subjetos Inacabados – I Mostra de Experimentação, Pesquisa e Criação do ator”. O trabalho envolve performances que constroem uma narrativa imagética que ecoa os rituais da vida.

Inicialmente, o espetáculo foi pensado para um espaço fora dos muros da Universidade. No entanto, a instituição receptora desaprovou a apresentação. Assim, CORPOGRAFIAS foi realizada num espaço cênico improvisado, na Galeria de Artes do Curso de Artes Visuais da UNIFAP, nos dias 20 e 22 de abril. Com a iluminação de Sandro Brito, a sala de exposição do Departamento de Letras e Artes (DEPLA) ganhou a magia necessária para receber o experimento.

A interdição da apresentação do trabalho, no teatro da instituição que inicialmente receberia CORPOGRAFIAS, deu-se em virtude do esboço de um corpo nu no cartaz de divulgação do evento. A polêmica do corpo nu na história da arte é algo recorrente. Foi assim no século XVII com “Vênus ao espelho (1647)” de Diego Velázquez; no século XIX com uma das mais famosas fotografias alegóricas, “Os dois caminhos da vida (1856)” que trazia cenas de nudez, do sueco Oscar Gustav Rejlander e com “O Almoço na Relva (1863)” de Édouard Manet. O surpreendente é que tais interdições ainda acontecem na cena contemporânea – não foi menos polêmico com os “Maquinhos” na 17ª Mostra SESC Cariri (2015).

CORPOGRAFIAS é um experimento sem texto escrito. As células performáticas ressaltam o corpo na sua plenitude cênica – na busca de narrativas que jorram das dramaturgias imagéticas, poéticas e híbridas. Os corpos tornam-se, dessa forma, uma simbiose entre o “interprete/criador” e o “personagem” – ritual celebrativo da própria vida. Cada “cena/célula” é um convite à meditação cênica, ao êxtase coletivo, ou a uma comunhão teatral que envolve um saboroso ritual de interpretação e apreciação.

Partindo dos rituais do cotidiano e anedótico, eles potencializam algo mais interior, mais espiritual – uma interseção bem humana entre o infinito e o finito, entre o macrocosmo e o microcosmo, entre o público e o “interprete/criador”. Desta forma, o que importa neste experimento cênico, que “cartografa rasuras de corpos em trânsito”, é o processo de trabalho que cada um realiza consigo mesmo e com o outro – o corpo coletivo. Isso concretiza um universo peculiar, no qual o transe místico de cada “aluno/criador” passa, também, a ter a força da “expressão teatral”, antes de tudo, a força da “expressão performática”. Nascimento, vida e morte ganham sentidos além do trivial, onde reside o encanto e a energia das “cenas/rituais”.

O experimento apresenta uma sequência de belos momentos que vão tecendo, entusiasticamente, o tema dos “rituais da vida”. Uma das cenas finais apresenta uma interprete com nu frontal – a única cena de nudez. Quatro personagens com vestes brancas e cicatrizes sangrentas sinalizam, possivelmente, o sofrimento dos escravos brasileiros. Em meio a movimentos sublimes, a interprete emerge de um ritual “sensual-erótico”, cujos materiais são terra, água e suor. Com passos ritmados, em êxtase, vai recuando do público – momento em que os 11 atores com vestes pretas, também com passos ritmados, vão velando o corpo para preservar a alma. No rito da ação e do ritmo da candência dos passos marcados ocorre a fusão do macrocosmo (as vestes pretas) e do microcosmo (vestes brancas). O grande ritual vai fechando a sua cortina de corpos – como a passagem do fogo à pedra, da paixão à dureza -, talvez, algo análogo na tradição religiosa e na filosofia libertina europeia.

Enfim, os “Alunos/Intérpretes/Criadores” passaram por três módulos na disciplina de Expressão Corporal: consciência Corporal; corpo e movimento e dramaturgias do corpo. O processo de criação desse contagiante experimento cênico ocorreu de modo coletivo e colaborativo – criação de forma conjunta, orgânica e processual. Após essa caminhada de construção poética, podemos usufruir do brilhante trabalho do elenco: Adriana Rodrigues, Bruno Coutinho, Carla Thaís, Dayse Amaral, Dorivana Martins,  Hugo Borsantos, Ivan de Paula, Jaqueline Bastos, Jayne Alves, Larissa Pinheiro, Lídia Patrícia, Luciane Souza, Marina Brito, Mauro Santos, Mayco Sá, Netho Montalvão, Washington da Silva.

 

Por Joaquim Netto

Historiador e Crítico de Arte